14Apr

Especialistas afirmam que os colegiados precisam ser capazes de entender os riscos e benefícios envolvidos, além de manter o alinhamento da tecnologia com os objetivos dos negócios

Os conselhos podem aumentar a sensação de confiança das empresas nos processos de adoção da inteligência artificial (IA) ao desenvolverem princípios de uso e garantindo a conformidade dos sistemas com as regulamentações existentes. Também são peças essenciais no incentivo à criação de valor por meio da tecnologia, incentivando a inovação, a disponibilidade de dados e as possíveis mudanças nos modelos de negócios. Mas será que os colegiados estão prontos para essas tarefas? A análise aparece em artigo que acaba de ser publicado pelo Centro Global de Assuntos do Conselho da consultoria EY, sediado em Hong Kong.

No trabalho, a líder da unidade, Sharon Sutherland; e Beatriz Sanz Sáiz, líder global do setor de IA da EY, defendem que os boards deverão estar preparados para aconselhar as organizações sobre as estratégias de crescimento da tecnologia. Nessa linha, dividem as missões dos conselheiros em três áreas: construção de confiança, criação de valor e ampliação do potencial humano nos comitês. Em cada uma, as executivas sugerem perguntas que os colegiados podem fazer a gestores e pares durante a “aterrissagem” da IA nas operações. São elas:

1. Construindo confiança na IA

Fomentar a credibilidade do uso da IA nas empresas é fundamental para impulsionar a adoção e mitigar riscos. “Isso inclui manter a conformidade dos sistemas com as regulamentações existentes [na União Europeia já existe a Lei de IA] e o desenvolvimento de um modelo eficaz de governança organizacional”, assinalam.

Segundo as consultoras, que conversaram com várias lideranças sobre o tema, há necessidade de encontrar um equilíbrio na tensão entre ética, inovação e regulamentação.

Perguntas que os conselhos podem fazer aos gestores:

– A empresa tem uma estrutura de IA responsável, transparente e bem comunicada? Como foi desenvolvida e que princípios prioriza? Se não há uma estrutura, como planejamos desenvolver uma?

– A estrutura de IA está integrada ao programa de gerenciamento de riscos da companhia?

– A estrutura de IA está sendo aplicada de forma eficaz em toda a organização? Qual é o seu nível de confiança nessa avaliação? Quais as salvaguardas existentes para identificar quando ela não é usada conforme o esperado?

2. Criando valor com a IA

Gerar valor com a IA requer uma cultura de inovação e aprendizado. É importante capacitar as equipes para falharem rapidamente, usar a tecnologia com segurança e criar barreiras de proteção nos sistemas, anotam. “A disponibilidade de dados e o ‘comportamento’ dos times em relação à IA serão os principais impulsionadores de valor dessa novidade”, ensinam.

As organizações também enfrentam um escrutínio cada vez maior em relação ao custo de implementação e ao ROI (retorno sobre o investimento) da IA, ponderam. “É crucial identificar os casos de uso que gerarão os melhores resultados”, orientam as pesquisadoras, acrescentando que a IA tem o potencial de remodelar modelos operacionais e de negócios nas empresas.

“A partir dos primeiros casos de adoção, as corporações podem passar para testes, fazer provas de conceito e, em seguida, partir para a produção e escalonamento”, afirmam.

Perguntas que os conselhos podem fazer aos gestores:

– Como desenvolver e implementar a IA em toda a empresa e no ecossistema de parceiros?

– Quais métricas a organização deve usar para identificar as maiores oportunidades de criação de valor com a IA?

– Como a IA pode impactar a cultura organizacional e o modo como os funcionários trabalham?

– Estamos preparando os dados para deixá-los prontos para a IA?

– Quais as barreiras para adotar a IA rapidamente e a estratégia que usaremos para superá-las?

3. Aumentar o potencial humano nos conselhos

Embora a IA tenha o poder de remodelar as atividades de uma empresa, ampliar o potencial humano nos conselhos que lidarão com práticas associadas à tecnologia é uma ação menos explorada no mercado, avaliam. “É fundamental que os conselhos desenvolvam expertise em IA para supervisioná-la com eficácia”, destacam Sutherland e Sáiz.

Executivos ouvidos pelas consultoras enfatizam que os conselheiros devem freqüentar congressos e eventos da indústria de inovação, ajudando as diretorias a avançarem na curva de aprendizado sobre a IA.

Como a supervisão da IA exige habilidades diversas e envolve novos vetores de valor, os boards precisarão também avaliar as suas composições, apontam. “As organizações precisam de tecnólogos nos colegiados, independentemente de atuarem ou não no setor de TI”, dizem. “Os conselhos consultivos podem atrair profissionais mais jovens, com experiência em tecnologia.”

Em algum momento, os colegiados também usarão a IA para analisar riscos, afirma uma das lideranças entrevistadas pelas pesquisadoras da EY. “A IA pode se tornar parte do processo de tomada de decisões dos conselhos”, concluem.

Perguntas que os conselhos podem considerar:

– De quais competências adicionais o conselho precisa para fornecer uma supervisão eficaz da IA? Qual o plano para incrementar essas habilidades?

– Como o conselho está estruturado para supervisionar a IA? Que informações recebe sobre alternativas de uso e o potencial da tecnologia?

– Como o colegiado saberá que a organização tem as estratégias adequadas de desenvolvimento e de aquisição de talentos para atingir os resultados pretendidos com a IA?

Visão do todo

Na avaliação de Sandro Benelli, coordenador acadêmico do curso “Formação para conselheiros de empresas de controle familiar” na Fundação Getulio Vargas (FGV), a maioria dos conselhos ainda não está preparada para supervisionar a adoção e o impacto da IA nas organizações.

“O papel do colegiado em relação à IA não é dar apoio técnico, mas assegurar que a companhia esteja pronta para usá-la com responsabilidade, segurança e visão estratégica”, afirma Benelli ao Valor.

Em várias áreas, a IA já é considerada crítica para o negócio, então também é crítico para o conselho saber cuidar desse tema, argumenta. “É necessário ter um alinhamento com os objetivos do negócio e cabe ao conselho entender a relevância que a IA trará para a corporação.”

Benelli sugere que firmas no início da jornada de adoção devem considerar o quanto a novidade vai agregar de receita e despesas no orçamento e quais o investimento, benefícios e riscos para encampá-la. Depois dessa análise, o professor sugere seis etapas de trabalho: “educar” o conselho sobre o assunto, identificar o potencial estratégico para o negócio, criar uma estrutura de governança para a IA, integrá-la nas discussões sobre capital humano, além de estabelecer responsabilidades e avaliar os riscos relacionados à tecnologia.

“Sem compreender o básico sobre IA, o conselho não conseguirá analisar se a estratégia escolhida está aproveitando bem as oportunidades”, afirma. “A IA traz novos riscos ao negócio, como problemas éticos, uso inadequado de dados e dependência de fornecedores externos. Muitos desses entraves serão ‘invisíveis’ para o board se os conselheiros não tiverem um entendimento da matéria. É preciso fazer as ‘perguntas certas’ para a gestão.”

Clientes e produtividade

Ter um conhecimento abrangente, tanto das oportunidades como dos riscos da IA, é decisivo para que o conselho possa realizar uma avaliação correta sobre essa agenda na empresa, concorda a conselheira Cristina Palmaka, ex-presidente da gigante de tecnologia SAP para a América Latina e Caribe. “Principalmente em relação ao impacto nos negócios da companhia”, ressalta.

Palmaka, que atua como conselheira de administração independente em três grandes organizações, diz que tem sido vital olhar como as questões de inovação e IA farão parte das estratégias corporativas.

“A IA precisa ser entendida por diferentes perspectivas”, explica a especialista, que chama a atenção para aspectos como o relacionamento com os clientes e a produtividade.

“[É preciso] saber onde a tecnologia poderá agregar valor e diferencial competitivo junto aos consumidores, com uma experiência mais fluida no processo de compra, na pesquisa de produtos e no atendimento”, detalha. “Na área de produtividade, pode automatizar processos com grande volume de dados, como conciliação de contas e otimização de inventários, além de evitar erros em rotinas manuais.”

Qualquer que seja o foco de utilização, lembra a conselheira, é crucial levar em conta a governança das ferramentas e a segurança das informações utilizadas. “São aspectos que devem ser discutidos nos comitês de risco e auditoria, e entrar na pauta regular das reuniões do conselho”, defende. “Revisar as competências dos times para as exigências futuras da organização também é indispensável para que o colegiado dê o ritmo à gestão, com a tecnologia e as pessoas necessárias aos desafios que virão.”

Especialistas à mesa 

Renata Filippi Lindquist, sócia da Soul HR Consulting, de recrutamento de executivos para a alta liderança e conselhos, diz que a adesão à IA deve ser tratada como uma prioridade estratégica nas organizações, com o conselho de administração no papel de protagonista dessa mudança.

“Para grupos globais de tecnologia, a IA deixou de ser apenas uma ferramenta operacional”, alerta. “Passou a representar um ativo central de valor competitivo e de inovação.”

Lindquist argumenta que é primordial que os conselhos incorporem a IA como um tópico permanente nas reuniões, com uma visão de longo prazo. Mas, no Brasil, esse avanço ainda está em estágio inicial, pondera.

“Segundo pesquisa do IBGC [Instituto Brasileiro de Governança Corporativa], apenas 20% dos conselhos discutem a IA com regularidade, enquanto 46% estão na fase exploratória”, comenta.

Entre os principais obstáculos para inverter esse quadro estão a baixa familiaridade com a tecnologia, com a maioria dos conselheiros sem formação ou experiência no campo digital, além de conflitos com outras prioridades de negócios.

“Quarenta e dois por cento das organizações enfrentam dificuldades para direcionar recursos à IA por causa de outras ações em curso”, detalha a consultora, a partir de dados do estudo.

Diante desse cenário, Lindquist orienta que os colegiados se posicionem como aceleradores da transformação digital nas empresas. “Eles devem fomentar a aplicação segura da IA como um vetor de crescimento e sustentabilidade dos negócios”, garante.

A especialista recomenda também que as organizações diversifiquem “as cadeiras” dos boards. “Empresas de vanguarda vêm incorporando conselheiros com expertise em dados, IA e inovação, criando uma governança mais ágil e capaz de antecipar oportunidades”, diz.

As companhias que tratam a IA como um tópico periférico correm o risco de perder competitividade, continua Lindquist, que sugere a formação de mais comitês de TI, similares aos grupos de auditoria e de pessoas, ligados aos conselhos.

“A IA não é um tema do futuro”, alerta. “Ela já está moldando o presente dos negócios. O desafio é garantir que a governança acompanhe esse movimento.”

Matéria publicada no Valor Econômico no dia 12/04/2025.

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