19May

60% das oportunidades para C-Levels este ano são presenciais e, mesmo no modelo híbrido, há diminuição de dias de trabalho remoto, apontam levantamentos de consultorias especializadas em recrutamento e seleção

O mundo corporativo está voltando ao período pré-pandemia. Nos últimos meses, o trabalho presencial voltou a ser uma exigência na contratação de altos executivos, sobretudo em empresas menores e familiares, onde o olho no olho é símbolo de incomodo na admissão desses profissionais.

Levantamento da consultoria Soul, especializada no recrutamento de altos executivos, mostra que, de todas as vagas que há em aberto na consultoria neste início de ano, entre 55% e 60% são presenciais, por exemplo. Para as demais (de 35% a 40%), há até a possibilidade de home office, porém de apenas um dia na semana.

Nos últimos 12 meses, a Page Executive, unidade de negócios da PageGroup, especializada em recrutamento de executivos de alta liderança, intermediou 44 contratações. Dessas, 26, ou 59% foram vagas para trabalho presencial e 18 (41%) para o modelo híbrido.

O que os recrutadores notaram é que até o híbrido está mudando, com menos dias em home office. Isso tem sido um obstáculo para muitos prossionais se recolocarem no mercado. Durante a pandemia, em busca de mais qualidade de vida, eles foram com a família morar no interior e estabeleceram uma rotina de ir presencialmente ao escritório apenas algumas vezes na semana.

“O número de empresas que diminuiu os dias de home office dobrou no último ano”, afirma Renata Filippi, sócia da Soul HR Consulting. Até 2023, ela conta que o modelo de trabalho era “mais brando”, de dois dias no presencial e três dias em home office. “Agora vejo grande parte das empresas com quatro dias no escritório e um dia em home office. Dois dias no presencial quase não tem mais.”

Candidatos a vagas de alto escalão desconfortáveis com a perspectiva de ter de alterar a rotina de morar fora da capital, caso a proposta de contratação se efetive.

“Tive algumas recusas (de candidatos) para posições de primeira liderança no início do processo seletivo por essa questão”, conta Paulo Dias, diretor-executivo da Page Executive.

Para posições de diretoria, Renata também tem visto prossionais deixando de aceitar propostas em início de processo seletivo porque a exigência do trabalho presencial pesa, entre outros fatores. “Para cerca de 30% dos candidatos que estão bem colocados na fase inicial, às vezes o processo seletivo não avança por esse modelo de trabalho.

Percebendo a mudança de cenário, o executivo Leandro Monsores, de 51 anos, adotou a estratégia de dar preferência para as vagas presenciais, a m de aumentar as chances de empregabilidade e se recolocar mais rapidamente. Como diretor de Recursos Humanos na companhia alemã de logística DHL Supply Chain, ele trabalhava três dias na semana presencialmente e tinha bastante flexibilidade.

Em 2023, quando deixou a empresa e voltou ao mercado, constatou que a maioria das vagas para C-Level era presencial. Decidiu, então, dar preferência para esse modelo de trabalho. “Se optasse por vagas presenciais, a probabilidade de me recolocar seria mais rápido”, observa.

E foi exatamente o que aconteceu. Faz um mês que Monsores foi contratado para ocupar a posição de diretor de RH na multinacional francesa FM Logistic. Foram tivesse colocado como quesito o trabalho híbrido, demora um pouco, calcula.

Quando saiu da antiga empresa mudou-se com a família de Campinas (SP) para Tamboré, no município de Barueri (SP), mais próximo da capital paulista, porque a maioria das vagas eram na cidade de São Paulo.

Na nova empresa, ele tem a opção de trabalhar quatro dias presenciais e um dia remoto. Mas Monsores prefere ir ao escritório todos os dias. “Logística é um setor vivo, a operação tem muitas variáveis e no home ofce perde-se muita coisa”, avalia.

Várias razões são apontadas pelas empresas para impor o retorno ao trabalho presencial. Entre elas estão aumentar o engajamento, fortalecer a cultura organizacional da companhia e até superar questões de como controlar a produtividade dos funcionários.

Estão sentindo os custos adicionais impostos pelo home office, como a obrigatoriedade do pagamento de serviço de internet aos funcionários, vale supermercado para eles se alimentarem em casa, por exemplo. Além da questão do desempenho dos funcionários, a exigência do trabalho presencial visa reduzir essas despesas.

Flexibilidade

Apesar de os consultores frisarem que quanto mais alto o cargo de liderança, mais se impõe o trabalho presencial, eles notaram uma certa tendência de exibilização desse modelo por parte das empresas para esses prossionais. A intenção é acomodar as demandas dos candidatos a altos níveis hierárquicos e manter atratividade pelas vagas.

“Quando a empresa dá a chance de o C-Level ter pelo menos um dia em casa, ele aproveita e quando não há exibilidade, existe, sim, a busca por outras.

No caso de prossionais de alta escalão que já estão empregados, a exibilização pode se traduzir em manter o mesmo nível de remuneração e permanecer num modelo híbrido de trabalho do que ganhar mais e ter de migrar para o presencial.

Multinacionais X Empresas Familiares

A exibilização do modelo de trabalho é mais comum nas empresas multinacionais, que têm uma estrutura tecnológica robusta para suportar o trabalho remoto. Além disso, já faz parte da rotina dessas companhias políticas globais de bem-estar e gestão por desempenho. No caso da Soul, todas as grandes multinacionais atendidas pela consultoria dão de um a dois dias de home ofce na semana para os altos executivos.

“As multinacionais têm uma cultura de conança natural, porque o trabalho é globalizado”, arma Dias, da Page Executive. Ele observa que a maior parte das companhias que estão no presencial são nacionais e familiares.

Depois da pandemia, existem empresas nacionais e familiares que não precisariam necessariamente voltar ao modelo presencial de trabalho, mas elas estão retornando.

“Na minha percepção, elas aderem (ao presencial) é por insegurança de perderem a cultura que criaram ao longo dos anos, por não conar no funcionário que está num modelo híbrido e achar que esse prossional vai se dedicar um pouco menos”, diz Dias. Ele pondera, no entanto, que não se trata de um movimento generalizado. Mas há acionistas que querem ter os prossionais sob o olhar do dono.

O movimento de volta ao trabalho presencial para a maioria dos dias da semana entre os altos executivos não é uniforme para todos os setores. Mineração, indústria pesada, construção, engenharia, saneamento, logística, varejo, agronegócio, por exemplo, são setores presenciais por natureza e dicilmente trabalham de forma remota. Portanto, a alta liderança acompanha.

Já segmentos como de tecnologia, startups, educação, comunicação, consultoria, serviços digitais, por exemplo, são muito remotos e permitem que o trabalho seja híbrido, inclusive em cargos de liderança.

O diretor executivo de Recursos Humanos (RH) da Sempre Agtech, empresa de biotecnologia, pesquisa e desenvolvimento intensivo para o agronegócio, Kenny Carvalho, de 41 anos, fez uma mudança radical.

Presencialmente ao escritório duas vezes na semana. Da sua casa em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, onde morava, até o escritório da empresa, localizado no município de Osasco, gastava muito tempo.

Há oito meses na nova empresa, Carvalho mudou-se do ABC Paulista para Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, onde ca a sede da companhia. A nova rotina é de trabalho 100% presencial. “O remoto não é uma realidade no agro”, diz o executivo.

Até fechar a contratação com a atual empresa, Carvalho conta que estava dando preferência para vagas híbridas. Mas acabou aceitando a vaga presencial por conta do pacote de benefícios maior, incluindo salário. “O presencial não acabou pesando e virou um detalhe.”

O executivo ressalta que tinha interesse pelo segmento agro e pela empresa, que aplica tecnologia ao setor. Além disso, foi contratado para construir a área de RH da empresa trabalhando remotamente. “Achei mais prudente e produtivo estar presencialmente.”

Desde meados do ano passado até hoje, a oferta de vagas para altos executivos mudou. De cada dez vagas em aberto em junho de 2024, duas eram presenciais e oito híbridas, diz Carvalho. Hoje, por informações obtida de colegas, essa proporção quase inverteu: de cada dez vagas, sete são presenciais e três híbridas.

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