10jul

Marcelo de Oliveira Elias, Doutor em Direito Constitucional pelo IDP, Mestre em Direito Comercial pela The London School of Economics and Political Science (LSE) e Bacharel em Direito pela PUC/RJ

Por: Marcelo de Oliveira Elias

Enquanto está havendo um discurso público ferrenho sobre desemprego causado pela tecnologia e desigualdade de ganhos, o debate sobre automação historicamente ignorou o problema da tributação. Isto mudou recentemente. Em 16 de fevereiro de 2017, o Parlamento Europeu rejeitou uma proposta para impor uma “tributação de robôs” em seus donos para custear os trabalhadores desempregados (1).

Já as tecnologias de IA tem um poder disruptivo ainda maior para o trabalhador comum, com o treinamento e formação educacional que solem ter. Assim é que o Banco Merryl Lynch afirma que a inteligência artificial eliminará 9 trilhões em custos trabalhistas (2).

Uma nova revolução tecnológica está a acontecer, neste momento. A “robotização” e a “automatização”, aliadas à inteligência articial, estão a ganhar uma força jamais vista. Já passamos por outras revoluções industriais, invenções, eventos sociológicos que geraram impactos impressionantes, desde a invenção da roda, da dominação da agricultura, da invenção das vacinas, das máquinas de guerra, da chegada à Lua.

Abbott (3) observa que os avanços exponenciais nas áreas de computação, inteligência artificial e robótica estão a possibilitar a automação em uma gama cada vez maior de aplicações e setores. Devido a essas inovações contínuas, tanto acadêmicos quanto profissionais da indústria começaram a prever com grande convicção que a automação poderá levar a um fenômeno denominado “desemprego tecnológico” em uma escala considerável no futuro próximo. Esse termo refere-se à perda de empregos atribuída diretamente aos avanços tecnológicos.

Como ilustração dessa tendência, o Instituto McKinsey Global, entidade respeitada em análises de mercado e tendências tecnológicas, há alguns anos, vem enfatizando o potencial disruptivo da inteligência artificial e das tecnologias relacionadas que poderá ocorrer a uma velocidade imensuravelmente maior, quando comparado com as transformações vivenciadas durante a Revolução Industrial, com um impacto que remodelará fundamentalmente a sociedade e a economia (4).

Esse prognóstico sugere enormes mudanças sociais e econômicas que desafiarão as estruturas existentes e exigirão respostas adaptativas robustas da sociedade. A pesquisa e o desenvolvimento no campo de aprendizado de máquina têm experimentado um notável impulso devido ao aumento constante na disponibilidade de dados, capacidade de armazenamento, poder de processamento, avanços em software, presença de especialistas qualificados e investimentos necessários para sustentar esses avanços (5)

Desumanização do trabalho

Desde os anos 1970, observamos uma aceleração na velocidade dos processadores de uso geral, e houve um incremento adicional graças ao hardware especializado em aprendizado de máquina. A internet tem desempenhado um papel crucial como uma fonte abundante de imagens, vídeos, áudio, texto e dados semiestruturados, com uma adição diária de mais de 10^18 (dez elevado à décima oitava potência) bytes.

A discussão da nova tecnologia e do emprego não é nova, no entanto. Em 1962, o Presidente Kennedy declarou que “eu vejo como o maior desafio doméstico, realmente, dos anos 60, a manutenção do emprego pleno num tempo em que a automação está de fato substituindo o homem” (6)

Entretanto, a velocidade e a voracidade da atual mudança geram um alarme e uma necessidade de respostas centenas de vezes maior para não afetar ainda mais o emprego e a distribuição de renda. Para se ter uma ideia da velocidade da mudança, em 1990, as três maiores empresas de Detroit – no setor automobilístico – tinham 36 bilhões de dólares norte-americanos de capitalização e 1,2 milhões de empregados; em 2014, as três maiores do Silicon Valley tinham 1,09 trilhão de dólares de capitalização e 137.000 empregados.

Ramaswamy (7) observa que a implementação de robôs e automação representa a inovação tecnológica mais atual nas atividades produtivas, sendo seu efeito sobre empregos e salários um tema central nos estudos relacionados à transformação tecnológica, desenvolvimento econômico e dinâmica do mercado laboral.

Em 2015, havia aproximadamente 1,6 milhão de robôs com capacidade de IA em operação, conforme dados da UNCTAD 2017. Projeções indicam um crescimento nesse número, alcançando 2,5 milhões até o final de 2019. A expectativa é de que essa expansão continue, com estimativas do Boston Consulting Group sugerindo que haverá entre 4 a 6 milhões de robôs industriais ativos até 2025, segundo duas análises de cenários distintas (8)

Será necessária uma revisão de conceitos socioeconômicos e políticos para enfrentar o desafio inevitável dos desenvolvimentos a serem alcançados pela inteligência artificial e pela biotecnologia, na medida em que toda a população da Terra será atingida em maior ou menor grau, no que tange, por exemplo ao mercado de trabalho. O trabalho braçal (físico) sempre foi o mais afetado desde o início da Revolução Industrial. Com a possibilidade de adquirir

Nas palavras de Harari (9), tais eventos podem em breve excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e criar uma nova e enorme classe sem utilidade, levando a convulsões sociais e políticas com as quais nenhuma ideologia existente está preparada para lidar. No século XX, as massas se revoltaram contra a exploração e buscaram traduzir seu papel vital na economia em poder político. Agora as massas temem a irrelevância, e querem freneticamente usar seu poder político restante antes que seja tarde.

Como em outros tempos, haverá, certamente, a criação de novos empregos para trabalhadores humanos. Mas é provável que essa tarefa será mais difícil. No passado, um campesino que manejava seus animais para arar a terra poderia facilmente qualificar-se para um emprego numa fábrica de automóveis, em que a linha de produção era movida com emprego de razoável força física e repetitiva para movimentá-la. Hoje, porém, a competição com trabalhadores autômatos é ferrenha. Em termos puramente econômicos, não se justifica empregar uma centena de trabalhadores para os serviços de solda ou montagem, com risco de acidentes, numa linha de produção, se comparado ao investimento num robô.

O outro lado – Aumento da produtividade

O aumento da produtividade da mão de obra sugere que, com as transformações, cada trabalhador pode ser capaz de produzir mais ou realizar suas tarefas de maneira mais eficiente. Isso pode ser positivo para as empresas e para a economia em geral, mas também levanta questões sobre a distribuição de benefícios, salários e a demanda por trabalhadores. O aumento das lacunas de habilidades indica que, com as rápidas transformações nas indústrias, pode haver uma discrepância entre as habilidades que os trabalhadores possuem e aquelas que são necessárias no mercado de trabalho moderno. Isso pode levar à necessidade de requalificação, treinamento e educação contínua.

No ramo de direito podemos citar exemplos de revisão de documentos:

– Em trabalhos de Due Diligence, por exemplo, pela capacidade de processar grandes volumes informações legais rapidamente, identificando aquelas que são, possivelmente, relevantes ou que sinalize um risco.

– Na pesquisa de leis e jurisprudências.

– Contratos Inteligentes, com a Utilização de blockchain e IA para gerenciar contratos quando condições predeterminadas são atendidas – ou não. Previsão de Resultados Judiciais:

– Probabilidades de êxito: quando algoritmos de IA analisam dados históricos de determinados tribunais ou juízes para prever a probabilidade de sucesso em casos judiciais, ajudando advogados a tomar decisões mais informadas.

Detecção de Fraude: para detecção de padrões de fraude em transações financeiras e outros documentos legais, aumentando a segurança e a conformidade.

E-discovery: Utilização de IA para identificar e coletar informações eletrônicas relevantes em litígios, facilitando a revisão e a produção de documentos.

Redação Automática de Documentos: Ferramentas de IA ajudam na criação automática de documentos legais padrão, como contratos, testamentos e petições, com base em modelos predefinidos.

Consultoria Jurídica Virtual: Plataformas de IA fornecem consultoria jurídica inicial, respondendo a perguntas comuns e orientando clientes sobre seus direitos e opções legais antes de uma consulta com um advogado.

Entendemos que todas as possibilidades acima necessitam de passar pelo escrutínio da ética e de regras de compliance, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil, entre outras para serem implementadas e utilizadas no dia-a-dia, tanto mais quando se trata de aconselhamentos, decisões e informa~]oes pessoais e corporativas sensíveis.

Em conclusão, embora a inteligência artificial represente um avanço significativo na advocacia, proporcionando eficiência, precisão e novas capacidades, é essencial que sua utilização seja feita com ressalvas. A adoção indiscriminada de IA pode levar à dependência excessiva de algoritmos, potencialmente comprometendo a qualidade do julgamento humano e a personalização do serviço jurídico. Além disso, questões éticas, como a privacidade de dados e a imparcialidade dos algoritmos, precisam ser cuidadosamente consideradas. A IA deve ser vista como uma ferramenta complementar que, quando usada de forma equilibrada e responsável, pode melhorar a prática da advocacia sem substituir o papel crítico e insubstituível dos profissionais do direito.

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Referências

(1) ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret. Should Robots Pay Taxes? Tax Policy in the Age of Automation. Harvard Law & Policy Review, vol. 12, 2018. Electronic Journal, v. 12, 2017, p. 5 . Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2932483>. Acesso em: 22 abr. 2019.

(2) Ibid., p. 8.

(3) Ibid., p. 2-3.

(4) Neste sentido, ver: CHUI, Michael et al. McKinsey Technology Trends Outlook 2023. McKinsey Digital, 2023, disponível em: <https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/the-top-trends-intech>; e também o relatório de 2013 in MANIKA, James et al. Disruptive technologies: Advances that will transform life, business, and the global economy, 2013, disponível em <https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/disruptive-technologies>.

(5) RUSSELL, Stuart; NORVIG, Peter. Inteligência Artificial – Uma abordagem moderna. Trad.: Regina Célia Simille. 4ª ed. Rio de Janeiro: GEN, 4ª ed., 2022, p. 922.

(6) ABBOT, 2017, p. 4.

(6) RAMASWAMY, 2018, p. 18.

(7) Cf. LÄSSIG, Ralph et al. Robotics Outlook 2030: How intelligence and mobility will shape the future. Boston

(8) Consulting Group, 2021. Disponível em: <https://mkt-bcg-com-public-pdfs.s3.amazonaws.com/prod/howintelligence-and-mobility-will-shape-the-future-of-the-robotics-industry.pdf>. Acesso em: 10 out. 2023. Ver também, sobre o tema: ZINSER, Michael; ROSE, Justin; & SIRKIN, Hal. The Robotics Revolution: The Next Great Leap in Manufacturing. Boston Consulting Group, 2015. Disponível em: <https://webassets.bcg.com/img-src/BCG_The_Robotics_Revolution_Sep_2015_tcm9-59492.pdf>. Acesso em: 10 out. 2023.

(9) HARARI, Yuval. N. 21 Lições para o Século 21. São Paulo: Companhia das Letras. 2018, p. 28 e p. 39.

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